Moro confirma parcialidade, e seleção de delatores da Lava Jato nada aponta contra Lula

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Segundo a lei brasileira, o promotor é a acusação, existem os advogados de defesa e um juiz imparcial entre as partes. Mas qualquer um que tiver tempo e disposição para ouvir as audiências de 11 delatores colocados como testemunhas pela acusação da Lava Jato contra o ex-presidente Lula vai ver que o juiz Sérgio Moro se comporta de forma diferente. Ele pergunta como promotor, emite pré-julgamentos e faz questões que não têm relação com o tema do processo: três contratos da Petrobrás, um apartamento no Guarujá (SP) e o armazenamento do acervo presidencial.  Enquanto mesmo os delatores selecionados pelo MP não indicam nenhuma participação de Lula em qualquer desvio na Petrobras, fica evidente, após uma semana de audiências de testemunhas de acusação na 13ª Vara Federal de Curitiba, a obsessão de Moro em condenar Lula mesmo sem provas, conforme denúncia feita pelos advogados do ex-presidente na ONU.

Depoimentos inocentam ex-presidente e expõem absurdo do Power Point, mas imprensa finge que não vê

A Lava Jato convocou 11 delatores, um time de futebol de campo, uma seleção dos seus mais ilustres réus confessos que negociaram, ou negociam, acordos de benefícios penais no Brasil e também no exterior – Delcídio do Amaral, Augusto Mendonça, Pedro Correa, Nestor Cerveró, Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Fernando Soares, Dalton Avancini, Eduardo Leite e Milton Pascowith.

Todos foram unânimes em dizer que jamais discutiram ilegalidades com o ex-presidente Lula, ou souberam de desvios e vantagens indevidas para Lula, ou ter qualquer informação a dar sobre o suposto tríplex do Guarujá. Até o jornal Estado de São Paulo e alguns veículos da Globo reconheceram isso discretamente no meio de matérias. Isso depois de manchetes em letras garrafais e 13 horas de Jornal Nacional dizendo o contrário.

O senador Delcídio do Amaral, por exemplo, disse jamais ter discutido qualquer assunto irregular com Lula. Segundo o senador “ele jamais me deu essa liberdade”, ou seja, Delcídio jamais sequer tocou nesse tipo de assunto com o presidente.  As acusações de Delcídio não acompanham nenhuma prova, sendo na palavra do senador uma “delação de político”. Mas, mesmo assim, Delcídio está em liberdade e negociou para sair da cadeia com a Procuradoria-Geral da República, apesar de citado de forma muito concreta pelos depoentes Nestor Cerveró e Fernando Soares como receptor de diversas vantagens indevida desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando era diretor da Petrobras. Delcídio não está sendo investigado por esses delitos cometidos por ele.  Ou seja, quem cometeu crimes está livre em troca de acusar sem provas outras pessoas.

Os depoimentos, uma espécie de “retrospectiva” da Lava Jato, indicam também um cenário bem diferente do Power Point simplista apresentado pelo procurador Deltan Dallagnol, ou na denúncia do MP. 

Todas as inconsistências da acusação

As invenções do MP vão desde pequenos detalhes, como de que Paulo Roberto Costa era chamado por Lula de “Paulinho” (o próprio negou esse apelido e disse jamais ter sido chamado assim, ter tido uma reunião sozinho ou qualquer intimidade com Lula) até questões maiores sobre os desvios da Petrobras.

Segundo o delator Augusto Mendonça, o “cartel” das empreiteiras, reunindo 16 empresas, perdeu efetividade a partir de 2009, com as obras do Comperj, ou seja, cinco anos antes do início da Operação Lava Jato. Segundo outros depoimentos dados essa semana, isso aconteceu por obra dos próprios diretores da Petrobras, que diante do aumento de investimentos da Petrobrás ampliaram para 40 o grupo de empresas que participavam das licitações.

Todos os depoentes também revelaram que NENHUM dos diversos órgãos de controle da empresa (auditorias internas e externas, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas e o próprio Ministério Público) havia detectado qualquer irregularidade na Petrobras antes da eclosão da Lava Jato em 2014, ou seja, quatro anos depois de Lula deixar a presidência. Paulo Roberto Costa disse acreditar que isso se dava porque não havia corrupção nas comissões de licitação da Petrobrás, e porque os preços estavam dentro da margem de variação previstos nas licitações (entre 20% acima e 15% abaixo do orçamento do projeto básico).  

Ou seja, não era óbvio ou evidente a existência de desvios na Petrobras, tanto que nenhum órgão encarregado de fiscalizar a empresa a detectou, e a corrupção não envolvia muitas pessoas na companhia. Até o senador Delcídio do Amaral expôs que “o fato de haver indicação política não significa que a pessoa é indicada para roubar”, e que não havia desvios em todas as diretorias da companhia. E Nestor Cerveró disse que foi indicado pelo então governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, mas que esse jamais lhe pediu qualquer coisa em troca disso.

Houve desvios e crimes, mas de um pequeno grupo de diretores associados a empresas e alguns políticos. E a maioria deles já negociou redução de penas com a própria Lava Jato.
 

O pagamento de vantagens indevidas variava entre 1% e 2% (ninguém falou em 3%, como chuta a denúncia do Ministério Público contra Lula), divididos entre funcionários da Petrobras como Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa e políticos, como José Janene do PP, partido que controlava a diretoria de Abastecimento. Não haveria vantagem indevida pagas em todos os contratos, embora fosse a regra habitual. Não havia, segundo Barusco, “retaliação”  por não pagamento de vantagens indevidas acertadas. O valor saia das empresas para os corruptos quando a Petrobras pagava pelo serviço feito.

Tanto em contratos em geral, quanto nos três contratos, das Refinarias do Paraná e Abreu e Lima, que o Ministério Público diz ter saído vantagens para o ex-presidente Lula, todos os depoentes afirmaram não ter qualquer informação sobre isso. Disseram sequer ter “ouvido falar” de vantagens para Lula.

Moro e Ministério Público: um mesmo time que é dono da bola

Sérgio Moro (esq) e Deltan Dallagnol (dir), com o ministro do STF Luís Barroso ao centro; quem ouve as audiências das testemunhas do MPF-PR, não consegue identificar quem é juiz e quem é promotor

A condução das audiências pelo juiz Sérgio Moro deixou claro que ele atua como linha principal da acusação no caso, é parcial, e que não faz sentido nenhum deixar um juiz-celebridade, que inclusive já cometeu crimes contra Lula, julgá-lo. Em despacho negando produção de provas para a defesa, Moro deixou bem claro que a denúncia tratava-se apenas de 3 contratos.

Mas, nas audiências, o juiz não só permitiu que as perguntas do Ministério Público fossem amplas, completamente fora desse tema, como ele mesmo fez perguntas fora do papel de juiz, muito além do mero esclarecimento das questões levantadas pela defesa e acusação, como levantando novas questões. A justificativa dada era que se tratava de um “contexto probatório”. As perguntas inclusive invadiram processo que corre na 10º Vara Federal de Brasília, e que corre nessa vara justamente por decisão explícita do Supremo Tribunal Federal de que não cabia a Moro julgar esse caso. 

Questionado por tal prática não estar de acordo com a letra do Código de Processo Penal, várias vezes Moro reiterou que quem preside e interpreta o processo é ele, como “dono” do processo. Quatro vezes cortou a gravação para cassar a palavra da defesa. Algumas vezes gritou. Acusou a defesa de “tumultuar”, embora em nenhum momento a defesa tenha se levantado e saído da audiência, como foi feito pelo juiz. E na quarta-feira colocou os supostos “tumultos” em ata, para justificar o encerramento da audiência do dia às 18:30 sem ouvir Nestor Cerveró, remarcado para o dia seguinte. Acontece que na mesma quarta-feira Moro tinha uma palestra às 20:00 para uma plateia que tinha pago ingressos para vê-lo.  A defesa não tinha compromisso nenhum que a impedisse de ouvir Cerveró na própria quarta-feira, nem nenhum dos advogados envolvidos fez qualquer pedido ou petição para atraso da audiência. 

Moro disse ainda que a defesa “não tinha argumentos”, o que é completamente irreal diante da extensa defesa já apresentada por escrito e dos depoimentos que mostraram que quem não tem provas nem fatos concretos é a acusação, que não consegue estabelecer nenhuma relação entre 3 contratos em refinarias entre 2006 e 2008 e a reforma de um apartamento que não é do ex-presidente em 2014. 

Para a Lava-Jato, crime de Lula foi ter sido presidente

Os depoimentos revelaram que ao menos desde a década de 1960, indicar linhas políticas para a Petrobras é parte das atribuições de um presidente da República. É curioso o espanto dos promotores com Lula indicar pessoas para cargos no governo, consequência natural de ser eleito presidente democraticamente, e a tentativa de transformar em algo ilegal o fato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter defendido, por exemplo, a internacionalização da Petrobras como forma de ampliação da presença do Brasil no exterior e aumento da presença da empresa no Nordeste do Brasil.

Tanto Paulo Roberto da Costa quanto Nestor Cerveró, os dois ex-diretores da empresa ouvidos, falaram que só tiveram reuniões com Lula com a presença do presidente e outros diretores da empresa, para discutir projetos de desenvolvimento do país e que era nesse sentido que Lula acompanhava e visitava a Petrobras. Cerveró disse que Lula arbitrou a discussão de em que estado do Nordeste ficaria a refinaria Abreu e Lima, e que não faria diferença para a Petrobrás do ponto de vista de custo, sendo então uma decisão política própria do presidente. 

Pedro Correa disse que “no mundo todo” se compõem governos com indicações de partidos. E também foi dito disse que a prática é muito anterior no Brasil ao governo de Fernando Henrique Cardoso.

Augusto Mendonça lembrou que era uma promessa de campanha, registrada em programa eleitoral, a contratação no Brasil de tudo que a Petrobras poderia fazer aqui, gerando no país, e não no exterior, empregos e impostos. Isso era uma política pública defendida em campanha eleitoral, que gerou milhares de empregos no Brasil.

Moro chegou a demonstrar espanto ao ouvir de um depoente que Lula não discutiu aditivos da refinaria Abreu e Lima. “Não?”, reagiu o juiz.

O Ministério Público reiteradamente não tem mostrado o mesmo interesse em investigar a denúncia concreta, que reapareceu nos depoimentos dessa semana por Nestor Cerveró e Fernando Soares, das denúncias de envolvimento de Paulo Henrique Cardoso, filho de Fernando Henrique Cardoso, em um escândalo na época da construção de termoelétricas no começo dos anos 2000, durante o governo do PSDB.

A imprensa cobre “tumulto” para não dar depoimentos que inocentam o ex-presidente

Era de se esperar que depois de tanto barulho em torno do tríplex e Lava Jato, que fosse ampla a cobertura da imprensa sobre a primeira semana de audiências do caso. Mas que nada. Para esconder os depoimentos que não tem provas contra Lula e até o inocentam explicitamente, a mídia foi na tese de Moro de “tumulto” e “bate-boca”, para não ir ao principal: os procuradores podem ter suas convicções, mas não tem provas contra Lula.